O bilinguismo é
um fenômeno complexo e muitas vezes não nos damos conta de que é muito comum e
está presente na maioria dos países do mundo, percorrendo todas as idades e
todos os grupos sociais. Atualmente, estima-se que metade da população mundial
seja bilíngue.
É comum que famílias brasileiras que emigraram convivam com dúvidas
sobre como criar seus filhos bilíngues. Primeiramente, é preciso entender que a
manutenção da língua portuguesa no ambiente familiar é uma escolha e
responsabilidade dos pais: a família deve conversar sobre o assunto e tomar uma
decisão. Também é importante conhecer os mitos sobre o bilinguismo infantil e
os argumentos para combatê-los. Dessa forma é possível proteger a família de
conselhos que ignoram os dados das pesquisas científicas das últimas décadas. Vejamos
alguns mitos e como combatê-los:
- · Ser bilíngue é ter igual fluência em duas ou mais línguas.
É raro
encontrar uma pessoa que tenha igual fluência em duas ou mais línguas que
conheça e utilize. O conhecimento de uma língua está ligado à história de vida
das pessoas. Outro aspecto a ser considerado é que, geralmente, desenvolvemos
habilidades em domínios linguísticos diferentes em cada língua que conhecemos,
um exemplo é o bilinguismo do típico falante de herança. Geralmente essa pessoa
tem conhecimento do vocabulário de uso cotidiano nas circunstâncias familiares,
mas encontra dificuldade para utilizar a língua numa circunstância formal ou
para discutir um assunto específico.
· Pessoas bilíngues falam sem sotaque.
É muito mais
comum encontrar pessoas bilíngues que têm sotaque. Importante entender que ter
ou não um sotaque não determina a habilidade linguística de uma pessoa.
- · Verdadeiros bilíngues adquiriram duas ou mais línguas na infância.
As crianças
podem ser educadas para serem bilíngues, no entanto, se elas não utilizam as
línguas a que foram expostas podem passar pelo processo de esquecimento e de
perda linguística. Outra questão é que não
é preciso aprender uma língua desde criança para adquirir conhecimentos
suficientes para utilizá-la cotidianamente. Os adultos e adolescentes também
adquirem competência para se comunicarem em uma segunda língua. O aprendizado
de uma língua depende de vários fatores como tempo de exposição cotidiana, tipo
de exposição, motivação e necessidade de uso.
- · Uma criança deve ser exposta, no máximo, a duas línguas.
Não há limite
do número de línguas a que uma criança pode ser exposta. O importante é avaliar
a quantidade e a qualidade da exposição para a manutenção e o desenvolvimento
das línguas escolhidas.
· Expor crianças a uma língua de herança terá um efeito
negativo na aquisição da língua utilizada na escola. Ou, expor a criança a duas
ou mais línguas desde o nascimento causará algum atraso em seu desenvolvimento.
Embora alguns
pais relatem a impressão de que seus filhos, inicialmente, vivem algum tipo de
atraso no desenvolvimento da linguagem, as pesquisas científicas dizem que não há relação de atraso no desenvolvimento
linguístico devido ao fato de uma criança ser bilíngue. Pelo contrário, as
indicações atuais são de que as crianças bilíngues, com o passar do tempo, têm
maior facilidade ao manejar habilidades metalinguísticas.
- · Crianças criadas na mesma família desenvolverão um mesmo nível de proficiência como falantes de herança.
Não se deve
esperar que os filhos tenham as mesmas habilidades linguísticas. Cada um
desenvolverá um percurso próprio de aprendizado.
Lembremos que a
manutenção e o desenvolvimento da língua de herança estão relacionados ao valor
que a família e a comunidade dão para essa língua. Os fatores determinantes são
a necessidade de uso e o tempo e a qualidade de exposição a que o falante tem
acesso. É a necessidade de interação com as pessoas no cotidiano (falar,
brincar, cantar, ouvir, ler, contar, etc.) que determinará a manutenção de uma
língua.
Texto publicado no Gazeta Brazilian News e no SALA