Uma língua de herança é
aquela utilizada com restrições (limitada a um grupo social ou ao ambiente
familiar) e que convive com outra(s) língua(s) que circula(m) em outros setores,
instituições e mídias da sociedade em que se vive. Acredito que o
bilinguismo infantil na situação de manutenção da língua falada em ambiente
familiar, a língua de herança, é uma escolha e responsabilidade dos pais. A
família precisa esforçar-se para a manutenção dessa língua minoritária,
buscando informação sobre o que é bilinguismo e pedindo ajuda à comunidade em
que vive (governo, professores, escola, parentes próximos e distantes, amigos,
etc.) de modo a romper com mitos e a cultivar a língua de herança na criança.
Tenho pesquisado o Português como Língua de Herança
(PLH) e a construção de um currículo que contemple as especificidades desse
aprendiz de modo que ele desenvolva as habilidades de fala, escuta, leitura e
escrita na língua familiar e ainda desenvolva o pertencimento na cultura em
língua portuguesa. O currículo compõe-se a partir de como professor e aluno
entendem as dinâmicas sociais, políticas, culturais, intelectuais e pedagógicas
a que estão sujeitos. Entendo currículo como um composto complexo de valores e
de proposições que norteiam a interação entre professor e aluno, como também a interpretação
sobre o que acontece durante este encontro expresso pela língua-cultura.
O conceito central que norteia o currículo de PLH que
desenvolvo é o de língua-cultura, no entender de que a língua é um dos modos
pelos quais nos constituímos humanos, com o qual produzimos sentido ao que
somos e ao que queremos expressar. E cultura, tudo o que o ser humano toma para
si e transforma. Também se faz necessário o esclarecimento de que entendo texto
como toda forma de expressão, desde uma notícia de jornal, uma escultura,
inclusive um gesto, um modo de vestir, etc.
Ao discutir um currículo de PLH coloco-me algumas
questões: Há um objetivo limitado para o desenvolvimento das habilidades de
fala, escuta, leitura e escrita em PLH? Que tipos de leitores e escritores
queremos formar por meio de nossa ação pedagógica em PLH? Como proceder na
seleção de textos dessa língua-cultura: quais são os textos fundamentais no
aprendizado da PLH?
O intuito de selecionar e organizar toda a herança
dessa língua-cultura passa pela busca do entendimento do que é típico de nossa
linguagem, de nosso humor, de nosso comportamento, de nosso modo de vestir, de
nossa literatura, etc. No entanto, aquilo que é típico pode expressar um
estereótipo e não representar a complexidade de ser e de se expressar na
língua-cultura. Portanto, há que se apresentar a língua-cultura de forma
dialógica, em que a busca pela representação da complexidade seja um método de
seleção de textos. Neste contexto, a língua não pode ser pensada dissociada da
cultura, e seu ensino não pode estar limitado à dimensão estrutural de sua
gramática.
Para isso, tenho selecionado textos variados, orais e
escritos, a partir de bens culturais como literatura, música, artes visuais,
dança, folclore, entre outros, visando à variedade de registros. Neste
currículo, os textos não são pretextos para o aprendizado da estrutura da
língua, mas os meios de interação e de relação com a língua-cultura para que os
aprendizes tenham acesso a uma complexa gama de expressões. A partir delas, as
interações entre professor e aluno visam a que os alunos tornem-se sujeitos que
falem, ouçam, leiam e escrevam suas próprias expressões na língua-cultura.
Essas concepções têm-me auxiliado na composição e na
reflexão de um currículo inicial de PLH, cujo intuito é a criação de
uma relação de pertencimento desta língua-cultura e a manutenção e o
desenvolvimento das habilidades linguísticas dos aprendizes.