segunda-feira, 6 de agosto de 2012

O Português como Língua de Herança: questões iniciais


Uma língua de herança é aquela utilizada com restrições (limitada a um grupo social ou ao ambiente familiar) e que convive com outra(s) língua(s) que circula(m) em outros setores, instituições e mídias da sociedade em que se vive. Acredito que o bilinguismo infantil na situação de manutenção da língua falada em ambiente familiar, a língua de herança, é uma escolha e responsabilidade dos pais. A família precisa esforçar-se para a manutenção dessa língua minoritária, buscando informação sobre o que é bilinguismo e pedindo ajuda à comunidade em que vive (governo, professores, escola, parentes próximos e distantes, amigos, etc.) de modo a romper com mitos e a cultivar a língua de herança na criança.
Tenho pesquisado o Português como Língua de Herança (PLH) e a construção de um currículo que contemple as especificidades desse aprendiz de modo que ele desenvolva as habilidades de fala, escuta, leitura e escrita na língua familiar e ainda desenvolva o pertencimento na cultura em língua portuguesa. O currículo compõe-se a partir de como professor e aluno entendem as dinâmicas sociais, políticas, culturais, intelectuais e pedagógicas a que estão sujeitos. Entendo currículo como um composto complexo de valores e de proposições que norteiam a interação entre professor e aluno, como também a interpretação sobre o que acontece durante este encontro expresso pela língua-cultura.
O conceito central que norteia o currículo de PLH que desenvolvo é o de língua-cultura, no entender de que a língua é um dos modos pelos quais nos constituímos humanos, com o qual produzimos sentido ao que somos e ao que queremos expressar. E cultura, tudo o que o ser humano toma para si e transforma. Também se faz necessário o esclarecimento de que entendo texto como toda forma de expressão, desde uma notícia de jornal, uma escultura, inclusive um gesto, um modo de vestir, etc.
Ao discutir um currículo de PLH coloco-me algumas questões: Há um objetivo limitado para o desenvolvimento das habilidades de fala, escuta, leitura e escrita em PLH? Que tipos de leitores e escritores queremos formar por meio de nossa ação pedagógica em PLH? Como proceder na seleção de textos dessa língua-cultura: quais são os textos fundamentais no aprendizado da PLH?
O intuito de selecionar e organizar toda a herança dessa língua-cultura passa pela busca do entendimento do que é típico de nossa linguagem, de nosso humor, de nosso comportamento, de nosso modo de vestir, de nossa literatura, etc. No entanto, aquilo que é típico pode expressar um estereótipo e não representar a complexidade de ser e de se expressar na língua-cultura. Portanto, há que se apresentar a língua-cultura de forma dialógica, em que a busca pela representação da complexidade seja um método de seleção de textos. Neste contexto, a língua não pode ser pensada dissociada da cultura, e seu ensino não pode estar limitado à dimensão estrutural de sua gramática.
Para isso, tenho selecionado textos variados, orais e escritos, a partir de bens culturais como literatura, música, artes visuais, dança, folclore, entre outros, visando à variedade de registros. Neste currículo, os textos não são pretextos para o aprendizado da estrutura da língua, mas os meios de interação e de relação com a língua-cultura para que os aprendizes tenham acesso a uma complexa gama de expressões. A partir delas, as interações entre professor e aluno visam a que os alunos tornem-se sujeitos que falem, ouçam, leiam e escrevam suas próprias expressões na língua-cultura.
Essas concepções têm-me auxiliado na composição e na reflexão de um currículo inicial de PLH, cujo intuito é a criação de uma relação de pertencimento desta língua-cultura e a manutenção e o desenvolvimento das habilidades linguísticas dos aprendizes.

segunda-feira, 9 de julho de 2012

Nossa vida como ela é?


Este ano, diversos eventos no Brasil comemoram o centenário de nascimento do escritor Nelson Rodrigues. Nascido em 23 de agosto de 1912, em Recife, onde viveu apenas até os 4 anos de idade, sua família migrou para o Rio de Janeiro.
Nelson trabalhou em vários jornais. Além de se tornar um importante cronista, destacando-se também como cronista esportivo, ele escreveu folhetins, contos, romance e teatro. Foi neste gênero que construiu uma obra que ele mesmo classificou como um “teatro desagradável”, por representar personagens em situações limite, mas que o consagraram como o maior dramaturgo brasileiro.
Morreu aos 68 anos, em 21 de dezembro de 1980, de trombose e insuficiência cardíaca, sem presenciar seu prestígio. Aliás, ouviu a vaia do público algumas vezes, e na ocasião de encenação de sua peça Senhora dos Afogados, em 1954, disse: Queria desagradar muito mais. A vaia parcial a Senhora dos Afogados parece-me insuficiente. Só me sentirei bem quando merecer uma vaia total.
O teatro rodrigueano apresenta um universo em que a pureza não tem lugar. Nele, as personagens expõem seus demônios internos e imprimem uma visão pessimista do autor sobre as possibilidades de realização afetiva do ser humano. Assim, só podemos encontrar desfechos infelizes nas histórias dos tantos casais e amantes de suas 17 peças. Vale destacar que entre elas apenas uma tem final feliz, peça que chamou de Anti-Nelson Rodrigues. A ironia do título é autoexplicativa: só mesmo na obra em que o autor se propõe à contradição, poderíamos encontrar uma cena final em que as personagens se beijam! No entanto, a falsidade desse desenlace é evidenciada pela nota do autor para que os atores beijem-se como nos filmes antigos, porque se fosse uma cena real...Ao saborearmos suas peças, as ironias e sarcasmos não devem passar desapercebidos.
Nelson apropriou-se de técnicas do melodrama, compondo uma ação veloz, pontuada por revelações surpreendentes e reviravoltas súbitas. Suas histórias lidam sempre com situações extremas e ações extraordinárias. As personagens são, necessariamente, criaturas movidas por forças obscuras e densas. Isso tudo se traduz – no palco ou nas páginas de contos, romances, e crônicas – em uma expressão sobrecarregada. As rubricas e descrições do autor referem-se detalhadamente às atitudes, aos gestos, aos comportamentos corporais e às ressonâncias vocais. Consequentemente, são representados seres destemperados, comumente em discussão, estendendo as mãos em súplica, prostrando-se aos pés uns dos outros, atirando-se ao chão, emitindo gritos, clamando soluções.  Esses extremos fizeram com que o amigo Manuel Bandeira o questionasse:

“Nelson, por que você não escreve sobre pessoas normais?”, perguntou Bandeira. E Nelson, levantando as mãos ao céu: “Mas, meu querido Bandeira, eu escrevo sobre pessoas como você e eu!” (Ruy Castro. “Prefácio a Nelson Rodrigues” in O melhor do romance, contos e crônicas. São Paulo: Companhia das Letras, 1993.)
            Só nos resta ler e questionar: O que há de nossas vidas em suas obras?

Confira este artigo publicado na coluna Nosso Idioma, do Gazeta Brazilian News...

segunda-feira, 18 de junho de 2012

quinta-feira, 14 de junho de 2012

Aula desta semana: Volpi e festa junina


Nesta aula, as expectativas de aprendizagem eram:
O reconhecimento fônico e gráfico do alfabeto em língua portuguesa (escrita do nome e reconhecimento de vogais);
Trabalho com dicção de sons em língua portuguesa;
Aumento do vocabulário em língua portuguesa;
Trabalhar os conhecimentos de música, folclore, artes visuais e literatura por meio do tema Festa Junina;
Criar uma relação de identidade com o ser brasileiro (língua-cultura);

A aula hoje se concentrou na aquisição do vocabulário sobre elementos comuns nas festas juninas, a confecção do cartaz para trabalhar vocabulário foi eficaz. A música criou um envolvimento e serviu como suporte de memorização. Aproveitei para apresentar o ritmo forró e para introduzir a cultura do Brasil rural. Também projetei obras de Alfredo Volpi e eles compararam as bandeirinhas e o uso de cores e formas.
Grande abraço
Ivian

terça-feira, 29 de maio de 2012

De grão em grão...

Olá a todos!
Nas conversas sobre bilinguismo e língua de herança que tenho organizado com as famílias, uma questão comum é: Quais livros em português oferecer para as crianças lerem? 
Vale lembrar que a leitura (mesmo que alguém leia para a criança) e o reconto da estória (feito pela criança) são atividades muito eficazes para a manutenção da língua de herança, pois envolvem uma participação ativa na interação linguística.
Em meu trabalho com língua de herança, proponho que o ensino-aprendizagem faça conhecer, interpretar, usufruir e produzir diversos objetos culturais brasileiros. Para isso, utilizo bens culturais como literatura, música, artes visuais, dança, folclore, entre outros. 
Para as crianças que já iniciaram a ler indico uma seleção de livros de literatura infantil brasileira feita por professores. Cliquem e imprimam!
Cada vez que vou ao Brasil, ou quando alguém da família vem nos visitar, mais um livro é adicionado à nossa biblioteca...
Uma língua se sustenta e se desenvolve cotidianamente. De grão em grão...

Lista de livros de literatura infantil em português

domingo, 1 de abril de 2012

II Curso do Programa de Formação de Professores de Português como Língua de Herança – Etapa de Miami


O Consulado-Geral do Brasil em Miami promoverá, entre os dias 20 a 22 de abril próximo, na Universidade Internacional da Flórida (FIU) em Miami, um curso para professores de Português como Língua de Herança (PLH).
O curso será gratuito, terá carga horária de 25 horas e admitirá até 50 alunos, selecionados mediante análise de currículos, os quais deverão ser enviados ao endereço eletrônico da Divisão de Promoção da Língua Portuguesa (DPLP) – dplp@itamaraty.gov.br . O prazo final para as inscrições é 5 de abril de 2012.
Nele, vou discutir minhas pesquisas no mestrado que faço na FIU sobre a construção do currículo de PLH e compartilhar minha experiência com alfabetização e letramento de crianças bilíngues. O evento, preparado e coordenado pela  Professora Doutora Edleise Mendes, da Universidade Federal da Bahia, incluirá também exposições da Professora Doutora Clémence Jouët-Pastrè, da Universidade Harvard. Os certificados do curso serão emitidos pela Universidade de Brasília (UnB).
Maiores informações poderão ser obtidas pelo endereço eletrônico cultura.miami@itamaraty.gov.br .

quinta-feira, 22 de março de 2012

Você é bilíngue?


Você provavelmente já ouviu alguns desses comentários: pessoas bilíngues são raras e têm igual e perfeito domínio sobre as línguas que conhecem; bilíngues de verdade são aqueles que aprenderam as línguas quando criança e as falam sem sotaque; bilíngues são tradutores natos; alternar entre duas ou mais línguas numa mesma conversa é sinal de preguiça; todos os bilíngues são bi-culturais; o bilinguismo vai atrasar ou causar efeitos negativos no desenvolvimento de uma criança.
Esses são alguns mitos que o professor emérito François Grosjean desmitifica em seu livro Bilingual: Life and Reality (Harvard University Press, 2010). Como um especialista no assunto ele já percorreu a Universidade de Paris, Universidade de Northeastern (Boston), MIT e ultimamente leciona e pesquisa na Universidade de Neuchâtel, Suíça.
Grosjean chama a atenção de que muitas vezes não nos damos conta de que o bilinguismo é um fenômeno muito comum e está presente na maioria dos países do mundo, percorrendo todas as idades e  todos os grupos sociais. Atualmente, estima-se que metade da população mundial é bilíngue. Tomemos como exemplo o Brasil: calcula-se que existem em torno de 180 línguas utilizadas no país, a grande maioria línguas indígenas, mas esse número também refere-se a imigrantes e descendentes de imigrantes que utilizam sua língua cotidianamente em sua comunidade. Exemplo disso é o pomerano, um dialeto alemão utilizado em Pomerode, um município de Santa Catarina.
            Para elucidar algumas questões, o professor explica que muitas vezes as pessoas consideram o bilinguismo a partir da questão da fluência que o sujeito tem de uma língua, enquanto que atualmente se pensa esse conceito relacionando-o ao uso:
            O alcance de quem pode ser considerado bilíngue aumenta consideravelmente quando nos concentramos no uso da língua. Num extremo concebemos bilíngue o trabalhador imigrante que pode falar com alguma dificuldade a língua do país em que vive. E no outro extremo, temos o profissional intérprete que é fluente em duas línguas. Entre esses extremos encontramos cientistas que leem e escrevem artigos numa segunda língua mas que raramente a falam, a mulher do imigrante que interage com suas amigas em sua primeira língua, o membro de uma minoria linguística que utiliza sua primeira língua apenas em casa e a língua da sociedade em que vive para todos os outros domínios, a pessoa surda que utiliza a linguagem de sinais com seus amigos mas que utiliza outra língua (geralmente na forma escrita) com uma pessoa que ouve, e assim continua. Para além da grande diversidade entre essas pessoas, todas elas têm algo em comum: elas conduzem suas vidas em duas ou mais línguas. (François Grosjean, tradução minha)
            Em suas discussões Grosjean aborda a angústia de famílias que querem criar seus filhos como bilíngues. Segundo ele, o que é relevante para a manutenção de uma língua é atentar para questões como a quantidade de exposição às línguas que queremos transmitir e manter, a necessidade do uso delas e a natureza dos recursos que utilizamos para a transmissão e manutenção.
            É a necessidade de interação com as pessoas no cotidiano (falar, brincar, cantar, ouvir, ler) e não a imposição dos pais que determinará o desenvolvimento de uma língua. Grosjean aconselha criar situações em que os interlocutores das crianças não conheçam a outra língua. Pensemos como exemplo os pais que vivem nos EUA e estão preocupados com a manutenção do português, eles podem aproveitar as viagens ao Brasil, a visita de parentes, as conversas por telefone ou por skype com brasileiros para expor as crianças a situações monolíngues, isto é, em que elas necessitem procurar recursos para se expressar em português sem fazer empréstimos do inglês. No cotidiano de uma pessoa bilíngue os empréstimos são comuns, mas será vantajoso criar circunstâncias em que as crianças em que atuem como monolíngues.
Para os filhos adolescentes, Grosjean incentiva que os pais abordem o tema bilinguismo acatando as angústias e buscando esclarecer as situações vividas. Afinal, em grande parte dos EUA o bilinguismo é um fenômeno vivido cotidianamente, às vezes de forma conflituosa, outras, em que as riquezas dos intercâmbios culturais são valorizados e aproveitados.




quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

PALAVRA Curso de Português Língua de Herança


A Palavra Mágica
Certa palavra dorme na sombra
de um livro raro.
Como desencantá-la?
É a senha da vida
a senha do mundo.
Vou procurá-la.

Vou procurá-la a vida inteira
no mundo todo.
Se tarda o encontro, se não a encontro,
não desanimo,
procuro sempre.

Procuro sempre, e minha procura
ficará sendo
minha palavra.
Carlos Drummond de Andrade in Música de Fundo

Português Língua de Herança, Português Língua Segunda (L2)
        
Uma língua é um elo social de comunicação, ao mesmo tempo em que é um elo de identidade cultural e étnico. A Língua Segunda ou de Herança é uma língua que circula com restrições, limitada a um grupo social ou ao ambiente familiar, e que convive com outra(s) língua(s) que circula(m) socialmente nas mídias ou instituições.


·      Pressupostos pedagógicos

A língua não é um código a ser decifrado, mas um meio de representação a ser apropriado para a expressão da identidade e para a participação nos discursos utilizados pela sociedade. Nesse sentindo, proponho que o ensino-aprendizagem da língua portuguesa de herança faça conhecer, interpretar, usufruir e produzir as modalidades dos discursos. Os materiais variarão entre os registros formal e informal e utilizarão diversos suportes visando o desenvolvimento da fala, leitura e interpretação de objetos culturais brasileiros. Para isso, utilizarei bens culturais como literatura, música, artes visuais, dança, folclore, entre outros. 

Se você deseja que seu filho mantenha o Português e desenvolva as habilidades de leitura e escrita por meio do conhecimento da cultura brasileira, vamos conversar!
idestro@yahoo.com.br