quarta-feira, 4 de fevereiro de 2015

Alfabetização e letramento no contexto das línguas de herança


       O trabalho com Línguas de Herança (LH) visa à ampliação da capacidade de expressão dos aprendizes que, geralmente, está delimitada ao registro informal oral da língua e circunscrita ao vocabulário do ambiente familiar. Por isso, além de ter por objetivo o desenvolvimento da modalidade falada da língua para registros formais e a ampliação do vocabulário para diferentes domínios linguísticos, é comum que as iniciativas de línguas de herança busquem o desenvolvimento das habilidades de leitura e de escrita desses alunos.
Por que expandir a manipulação da língua da modalidade oral para a escrita? Primeiro, para que o aluno participe mais amplamente de uma herança linguístico-cultural; em segundo, para um desenvolvimento mais amplo da capacidade de compreender e produzir textos nesta língua; em terceiro, para o desenvolvimento de um pensamento mais lógico-abstrato na língua-cultura.
Como então podemos entender os conceitos de alfabetização e letramento e como podemos situá-los no contexto do ensino de línguas de herança? Na língua portuguesa é comum distinguir duas etapas do processo de aprendizado da leitura e escrita, a alfabetização, que pode ser entendida como o processo de instrução formal de decodificação das letras, das sílabas, das palavras na página, e o letramento, que é o aprendizado da manipulação (na leitura e na escrita) dos textos em seus contextos sociais.
Na educação, dissociar alfabetização e letramento mostra-se um equívoco porque o aprendizado da leitura e da escrita deve ser baseado nesses dois processos, o de decodificação e codificação, como também o de leitura e escrita contextualizadas como atividades sociais.
O que isso quer dizer? Quando apenas focamos em atividades de decodificação ou codificação dos fonemas e letras, não estamos ensinando o aprendiz a se comunicar de fato com alguém por algum propósito, por outro lado, é preciso ensinar o processo de correspondência entre fonema e letra para que se possa ler e participar das atividades sociais de leitura e escrita. Daí ser impossível dissociar a alfabetização do letramento, esses processos são interdependentes.
Quais as implicações da alfabetização e do letramento nas LH? Primeiro, ampliar o acesso a uma herança linguístico-cultural que consequentemente será uma outra maneira de criar elos de pertencimento para o aprendiz. Segundo, fazer desses alunos sujeitos que produzam textos e que participem de um repertório linguístico-cultural escrito o que os tornará muito mais preparados e efetivos em diferentes situações comunicativas.
O objetivo de nossas aulas é que os alunos tornem-se sujeitos que produzam textos orais e escritos como também saibam ler e compreender essas duas modalidades de textos para que haja efetivamente uma situação de comunicação. Retomo minhas ideias do artigo anterior, que tratou de uma reflexão sobre o conceito de língua no contexto do ensino de línguas de herança: os aprendizes precisam entender que a língua existe na função de comunicar, expressar algo para alguém, de realizar e organizar nossos desejos, pensamentos e ações para o outro e para nós mesmos.
Texto publicado na plataforma Brasileirinhos wordpress

terça-feira, 6 de janeiro de 2015

Falante de herança vai falar português com sotaque?


Entre vários aspectos que me intrigam sobre os estudos da linguagem, a sociolinguística é um dos que mais me fascinam porque observa como as pessoas usam e se relacionam com a língua. Como mãe, professora e pesquisadora de línguas de herança, tenho refletido muito sobre a questão do sotaque nos falantes de herança e os discursos que familiares e professores criam sobre esse aspecto da linguagem.
Às vezes escuto familiares e amigos se espantarem quando falantes de herança, bilíngues simultâneos, apresentam sotaque. Isto é, interferências sonoras de fonemas de uma língua em outra língua. É muito possível que um falante de herança que tenha ampla exposição e desenvolvimento da língua da família não desenvolva sotaque. Mas se ele tiver, qual será o problema?
O desenvolvimento de uma língua de herança deve ser visto como uma experiência de aprendizado de línguas em contato, diferentemente do aprendizado de uma língua nativa isolada, que pode ser seguida do aprendizado de uma segunda língua.
Muitas pesquisas sobre o inglês como segunda língua comprovam que pessoas conseguem se comunicar com muita eficiência mesmo tendo uma influência muito marcada da sonoridade dos fonemas de sua primeira língua. A eficiência da comunicação não está ligada ao sotaque, mas à estrutura gramatical, à objetividade, ao domínio do vocabulário, à fluência, entre outros aspectos.
Na realidade, o sotaque não é um problema de comunicação em si, ele é percebido como um problema por certas pessoas que tomam certas atitudes preconceituosas e discriminatórias em relação a um falante que apresenta sotaque. O desejo de falar sem sotaque, como um nativo, busca criar a impressão de se ter um domínio muito grande da língua, o que, na idealização das pessoas abriria uma porta social para a aceitaç  . Mas se bem, essas crianças sãarmos bem, essas crianças  para corrigir ess.lele teria habilidades linguão.
Eu entendo que uma das coisas que define um falante de herança é a construção de identidades, línguas, experiências sociais que se misturam. E para mim, não há problema nenhum em escutar interferências fonéticas de uma língua em outra.
Aos pais e professores preocupados com o sotaque: é importante questionar preconceitos e idealizações antes de projetá-los em nossos filhos e alunos. Não discriminem, nem atentem para as interferências fonéticas, mas para como essas crianças e adolescentes vivem as experiências e os discursos que moldam suas identidades. Um aprendiz de língua de herança necessita criar histórias de pertencimento, como também da maior exposição possível à língua. Só isso...

Este texto foi publicado no SALA.