Entre vários aspectos que me intrigam sobre os estudos da linguagem, a
sociolinguística é um dos que mais me fascinam porque observa como as pessoas
usam e se relacionam com a língua. Como mãe, professora e pesquisadora de
línguas de herança, tenho refletido muito sobre a questão do sotaque nos
falantes de herança e os discursos que familiares e professores criam sobre
esse aspecto da linguagem.
Às vezes escuto familiares e amigos se espantarem quando falantes de
herança, bilíngues simultâneos, apresentam sotaque. Isto é, interferências
sonoras de fonemas de uma língua em outra língua. É muito possível que um
falante de herança que tenha ampla exposição e desenvolvimento da língua da
família não desenvolva sotaque. Mas se ele tiver, qual será o problema?
O desenvolvimento de uma língua de herança deve ser visto como uma
experiência de aprendizado de línguas em contato, diferentemente do aprendizado
de uma língua nativa isolada, que pode ser seguida do aprendizado de uma
segunda língua.
Muitas pesquisas sobre o inglês como segunda língua comprovam que
pessoas conseguem se comunicar com muita eficiência mesmo tendo uma influência
muito marcada da sonoridade dos fonemas de sua primeira língua. A eficiência da
comunicação não está ligada ao sotaque, mas à estrutura gramatical, à
objetividade, ao domínio do vocabulário, à fluência, entre outros aspectos.
Na realidade, o sotaque não é um problema de comunicação em si, ele é percebido como um problema por certas
pessoas que tomam certas atitudes preconceituosas
e discriminatórias em relação a um falante que apresenta sotaque. O desejo de
falar sem sotaque, como um nativo, busca criar a impressão de se ter um domínio
muito grande da língua, o que, na idealização das pessoas abriria uma porta
social para a aceitaç ão.
Eu entendo que uma das coisas que define um falante de herança é a
construção de identidades, línguas, experiências sociais que se misturam. E
para mim, não há problema nenhum em escutar interferências fonéticas de uma
língua em outra.
Aos pais e professores preocupados com o sotaque: é importante questionar
preconceitos e idealizações antes de projetá-los em nossos filhos e alunos. Não
discriminem, nem atentem para as interferências fonéticas, mas para como essas
crianças e adolescentes vivem as experiências e os discursos que moldam suas
identidades. Um aprendiz de língua de herança necessita criar histórias de
pertencimento, como também da maior exposição possível à língua. Só isso...
Este texto foi publicado no SALA.
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